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A decolonialidade é um conceito que surgiu no final do século XX com teóricos como Aníbal Quijano, Walter Mignolo e Maria Lugones como uma crítica ao legado colonial e suas implicações nas sociedades contemporâneas, propondo a decolonização do pensamento e da prática. Seu conceito enfatiza a necessidade de criar novas formas de conhecimento e existência que rompam com as estruturas coloniais ainda presentes no mundo contemporâneo.
Diferente do “pós-colonialismo”, que enfatiza a análise das consequências do colonialismo e do imperialismo nos dias atuais, a decolonialidade também traz consigo a necessidade de ocupar espaços, ampliar vozes e resgatar heranças culturais e ancestrais que foram apagadas com a colonização.
Esse conceito é especialmente relevante para as regiões da América Latina, onde as consequências do colonialismo são visíveis não apenas em termos econômicos e políticos, mas também nas esferas sociais e culturais. A decolonialidade propõe uma reavaliação dessas estruturas e a valorização de saberes e práticas que foram marginalizados durante o processo colonial.
Vários conceitos importantes surgiram dos estudos de defensores desse pensamento, como a ideia de “colonialidade do poder”, introduzida pelo sociólogo peruano citado Aníbal Quijano. Ele argumenta que o colonialismo não terminou com a independência dos países colonizados, mas continua a influenciar as relações de poder globalmente, especialmente através do racismo, da economia e da cultura.
Consequências concretas da colonialidade e possíveis ações para combatê-la
As heranças coloniais se manifestam de várias maneiras na sociedade contemporânea, mas pode ser combatido com ações afirmativas e de inclusão dos povos historicamente colonizados, resgatando outras formas de pensar, agir e fazer. Alguns exemplos deste panorama são:
- Educação: as instituições acadêmicas e educacionais na maioria dos países latino-americanos ainda seguem modelos eurocêntricos, onde a narrativa histórica e a cultura europeia são predominantes, enquanto os conhecimentos indígenas e africanos são minimizados ou excluídos. É necessário repensar estes modelos, adequando-os às necessidades, cultura e realidades locais.
- Saúde: a medicina ocidental tem sido a abordagem dominante nos sistemas de saúde globais, muitas vezes ignorando práticas de cura tradicionais de povos originários transpassadas por gerações. Os conhecimentos e as técnicas medicinais também foram essenciais para o desenvolvimento da medicina tradicional e resgatar esses saberes e fazeres significa rememorar conhecimentos práticos que não foram atravessados por uma série de interesses do sistema capitalista atual. Aliar o melhor de cada conhecimento, tradicional e científico, pode ser um equilíbrio mais frutífero para a sociedade.
- Arte e cultura: a produção artística e cultural muitas vezes reflete valores e estéticas europeias, enquanto expressões culturais locais são consideradas “folclore” ou “exóticas”. Movimentos decoloniais na arte procuram desafiar essas hierarquias, promovendo e legitimando a arte produzida por comunidades marginalizadas e que representa suas próprias experiências e perspectivas.
- Economia: as economias pós-coloniais frequentemente continuam dependentes de modelos de exploração de recursos naturais estabelecidos durante o período colonial, criando uma relação de busca pelo faturamento constante sobre recursos finitos na natureza, que afeta também a nossa relação com a preservação do meio ambiente. Alternativas mais benéficas incluem o desenvolvimento de ações que tenham menos impactos ambientais, sejam mais sustentáveis e dialoguem melhor com as comunidades tradicionais em contextos que envolvam ambientes rurais e de fomentar a cooperação Sul-Sul, ou seja, o comércio e parcerias de desenvolvimento com países também em desenvolvimento.
- Mídia: a representação das minorias na mídia, quando presente, é frequentemente estereotipada, perpetuando visões coloniais sobre essas populações. A decolonialidade na mídia envolve criar mecanismos para promover e divulgar narrativas que refletem a realidade e a diversidade das experiências de grupos historicamente marginalizados, desafiando os padrões hegemônicos de representação.
Livros e filmes que exploram o conceito de decolonialidade
Para entender melhor o que é decolonialidade e sua relevância, é importante entrar em contato com obras literárias e cinematográficas que abordam o tema de forma aprofundada e crítica. Confira alguns exemplos de mídia e literatura que podem auxiliar o processo de entendimento e reflexão sobre a decolonialidade:
Livros
- “Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina” — Aníbal Quijano
Nesta obra fundamental, Aníbal Quijano introduz o conceito de “colonialidade do poder”, argumentando que as estruturas de dominação colonial ainda persistem nas relações globais de poder, especialmente através do racismo e do eurocentrismo.
- “Decolonialidade e Pensamento Afrodiaspórico” — João Costa Vargas (organizador)
Este livro reúne diversos ensaios que exploram as conexões entre a decolonialidade e as experiências afrodiaspóricas ao redor do mundo, abordando temas como racismo, cultura e resistência.
- “A Invenção das Raças: Raça, Cultura e Poder” — Kabengele Munanga
Kabengele Munanga discute como o conceito de raça foi criado e manipulado para justificar a exploração e opressão durante e após o colonialismo, oferecendo uma análise crítica sobre a construção social das diferenças raciais.
- “Pedagogia do Oprimido” — Paulo Freire
Embora não seja especificamente sobre decolonialidade, este livro de Paulo Freire é uma referência importante para entender as práticas pedagógicas que desafiam as estruturas coloniais e promovem a emancipação através da educação nas escolas e meios acadêmicos.
Filmes
- “A Negação do Brasil” (2000) — Dirigido por Joel Zito Araújo
Este documentário investiga a representação dos afro-brasileiros nas telenovelas, mostrando como a mídia perpetua estereótipos raciais e contribui para a manutenção da colonialidade no Brasil através de personagens que compõem o cenário de um produto audiovisual muito popular.
- “Que Horas Ela Volta?” (2015) — Dirigido por Anna Muylaert
O filme aborda as relações de classe no Brasil contemporâneo, expondo as dinâmicas de poder herdadas do período colonial, especialmente no contexto das relações entre empregadores e empregadas domésticas. A obra também expõe a fragilidade de uma hierarquia de poder muito presente no ambiente doméstico retratado na história.
- “Amores Brutos” (2000) — Dirigido por Alejandro González Iñárritu
Este filme mexicano apresenta uma narrativa entrelaçada que revela as tensões sociais e econômicas em uma sociedade marcada por desigualdades, refletindo as feridas abertas deixadas pelo colonialismo.
- “La Ciénaga” (2001) — Dirigido por Lucrecia Martel
Um filme argentino que retrata a decadência de uma família da classe alta, oferecendo uma crítica sutil às hierarquias sociais e raciais que permanecem enraizadas na sociedade pós-colonial.
- “O Som ao Redor” (2012) — Dirigido por Kleber Mendonça Filho
Este filme brasileiro explora as relações de poder e vigilância em um bairro de classe média no Recife, Brasil, refletindo sobre como a violência e o controle social são legados de um período com pensamentos coloniais.

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Compreender a decolonialidade é essencial para buscar um futuro melhor
Compreender o que é decolonialidade e sua importância é essencial para construir uma sociedade mais equitativa e condizente com a realidade da diversidade cultural do Brasil. O reconhecimento das estruturas coloniais ainda presentes na nossa sociedade, sobretudo em países do Sul Global como o Brasil, são passos fundamentais para ações que rompam com séculos de uma dominação que promove o apagamento cultural e o epistemicídio – o processo de invisibilização das contribuições culturais e sociais não assimiladas pelo ‘saber’ ocidental. A decolonialidade, portanto, não é apenas uma crítica ao passado, mas uma proposta para o futuro.
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